Tradução: interpretação médica

Mulheres inspiradoras superam a pobreza traduzindo para doentes em hospitais

Quando tinha só seis anos de idade, Maria Vertkin teve que se tornar a voz da sua família judia russa. Ela era a única ali que falava inglês bem.

Ela se lembra de ter que traduzir informações médicas para seus pais – uma enorme responsabilidade, especialmente para alguém tão jovem. Em hospitais e clínicas, uma palavra pode ser a diferença entre a vida e a morte. Quando essa palavra é em uma língua que o paciente não domina, os intérpretes com formação precisam preencher essa lacuna.

“Se você é criança em uma família de imigrantes, você é o intérprete e tradutor de facto“, disse Maria à Mashable. “Porque as crianças aprendem e adquirem a cultura muito mais rápido”.

Mesmo tão jovem, Maria compreendeu a ligação entre línguas e sucesso. Como os judeus eram cidadãos de segunda classe e passavam dificuldades econômicas na Rússia, ela e seus pais partiram em busca de uma vida melhor. Primeiro em Israel e em seguida nos EUA, renunciando à cultura e à língua que sempre tiveram.

Foi por isso que ela lançou o Found in Translation. Trata-se de um projeto social que oferece certificados de intérpretes médicos e serviços de recolocação profissional gratuitos para mulheres bilíngues de baixa renda em Boston e arredores.

O projeto tem uma missão dupla: quebrar as barreiras linguísticas no setor de saúde e, ao mesmo tempo, combater a pobreza e a falta de moradia. Duas questões que afetam as mulheres (especialmente as não brancas) de forma desproporcional.

“Nós as ajudamos a usar suas competências linguísticas e transformá-las em algo comercializável para o mercado de trabalho e que pode tirá-las da linha de pobreza de forma permanente”, diz Vertkin, que também atua como diretora-executiva da Found in Translation.

Uma vida de extremos

Ela entende isso melhor do que ninguém. Não só é uma imigrante da primeira geração de uma família de baixa renda, como chegou a ficar desabrigada na época que estava no ensino médio. Esse é um período sobre o qual ela evita falar. Além do conhecimento que adquiriu dos livros para se tornar assistente social, ela também tem um entendimento pessoal e intuitivo dos obstáculos que essas mulheres enfrentam.

“Há tantos imigrantes e tanto talento bilíngue nas comunidades pobres, [mas] há muitos obstáculos que os impedem de conseguir ultrapassar a barreira da pobreza. [Queria] construir um programa que foca nos pontos fortes e aborda essas deficiências”, diz ela.

A Found in Translation oferece às mulheres bilíngues um curso de 14 horas semanais que dura três meses e meio. Ali, elas aprendem habilidades para conseguir trabalhos em hospitais – um dos setores com melhores salários disponíveis – em um curto espaço de tempo. As mulheres passam por um treinamento que Maria chama de “competências essenciais de interpretação”. Ou seja, tipos de interpretação, código de conduta, padrões de prática, ética e as complexidades do sistema de saúde. Elas também têm aulas de anatomia, fisiologia e aprendem milhares de termos médicos em inglês e em sua língua materna. Também recebem treinamento de habilidades gerais, como noções financeiras e redação de currículos.

Depois das aulas e do exame final, começa o trabalho de fato. Sair da pobreza e das ruas não é tão fácil como ganhar um certificado, diz Vertkin. A organização encaminha as mulheres às agências locais de emprego (assim elas adquirem experiência para trabalhos em hospitais) e que também contratam intérpretes.

Um programa como Found in Translation tem um processo de seleção concorrido. Faz sentido, pois foi desenvolvido para encontrar mulheres que são fluentes em pelo menos um outro idioma, extremamente motivadas e com habilidades pessoais para serem boas intérpretes. Pelo fato de oferecer treinamento gratuito e serviços de creche e transporte, centenas de mulheres se inscrevem pela internet. A turma mais recente teve 380 candidatas, mas o programa atualmente só acomoda 35 vagas.

Intérpretes médicos profissionais, médicos e enfermeiros estão entre os instrutores dessas várias habilidades. Como intérpretes, as formadas não vão diagnosticar nem dar pareceres médicos, porém precisam conhecer todas as informações bem o suficiente para que os pacientes possam compreendê-las.

Habilidades em demanda

Não faz mal que haja um mercado crescente de intérpretes.

A interpretação de conferências é uma das profissões de crescimento mais rápido nos EUA. De acordo com o órgão de estatísticas trabalhistas do país, o salário médio de um intérprete nos EUA é de US$ 43.590,00 por ano, já em Massachusetts é de US$ 58.990,00. Embora a renda durante os primeiros anos possa não vir em forma de salário fixo, essas mulheres ainda ganham salários aos quais não tinham acesso antes.

“Elas voltam para suas comunidades como intérpretes e são capazes de ajudar os pacientes a terem acesso a serviços médicos vitais, podem até salvar vidas”, diz Vertkin.

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Mulheres na sala de estudos do Found in Translation estudam um modelo anatômico. IMAGEM: MARIA VERTKIN, FOUND IN TRANSLATION

Isso é especialmente importante em áreas urbanas com grandes populações de imigrantes. Boston, por exemplo, é responsável por 17,1% da população imigrante de Massachusetts e por 16,4% das famílias de imigrantes do estado, de acordo com dados de 2009.

HHC

Em Nova York, o sistema New York City Health and Hospitals Corporation (HHC) atende 1,4 milhão de pessoas por ano. Muitas delas de origens culturais, étnicas e linguísticas diversas. Matilde Roman é diretora-sênior do Escritório de Serviços Culturais e Linguísticos do HHC. Ela diz que oferece serviços de idiomas em 11 hospitais, seis centros de tratamento de diagnósticos, quatro casas de repouso e mais de 70 clínicas comunitárias em todas as cinco regiões do estado de Nova York, 24 horas por dia.

“Quase 40% de todos os novaiorquinos nasceram fora de Nova York”, Matilde contou para a Mashable. “Se contarmos as crianças, são cerca de 60% dos 8,4 milhões. Sempre precisamos de serviços linguísticos. Atendimento de competência cultural está no cerne do que fazemos aqui”.

O HHC trabalha com fornecedores para oferecer serviços de intérprete, tanto pessoalmente como pelo telefone. Também tem seu próprio processo seletivo de treinamento de intérpretes médicos. Em 2014, o HHC ofereceu mais de 10 milhões de minutos de serviços de interpretação em todas as suas várias unidades. Roman explicou também que esses tipos de serviços são necessários em todas as instituições de saúde, devido a regulamentos federais não discriminatórios, bem como a políticas estaduais e locais.

“Interpretação médica é um conjunto de habilidades muito finito. Você não precisa ter competência ou proficiência linguística na língua-alvo e em inglês, também tem que ter um nível de competência em terminologia médica e ética”, diz Matilde.

Apesar de ter ouvido falar sobre a Found in Translation pela Mashable, Roman diz que o projeto soa como uma nova abordagem, contanto que essas mulheres atendam aos padrões muito elevados que o setor necessita.

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A turma de formandas da Found in Translation de 2014. IMAGEM: FEDA EID

Atualmente

Atualmente, a Found in Translation recebe apoio filantrópico e Vertkin admite que isso é algo tenso e imprevisível.

“É muito dinheiro que pode entrar ou não. O pior e o melhor cenários das suas projeções financeiras têm uma diferença de centenas de milhares de dólares. Isso assusta… Mas ao oferecer serviços de intérprete e conhecendo o mercado, essa é uma maneira muito mais estável de financiamento”, ela diz.

O objetivo do projeto é ser completamente autossustentável no prazo de três a cinco anos. Como? Utilizando seus serviços de interpretação para financiar o programa de certificação, sem depender de subvenções e doações. Há também um grande potencial a se considerar. Pessoas em cidades vizinhas, outros estados e até de lugares longínquos como Reino Unido e Quênia já entraram em contato com Vertkin para ver se é possível elas trabalharem com a organização. Mesmo que ainda não estejam lá, Maria vê a oportunidade como uma expansão futura, seja pela criação de novos locais ou por meio de consultoria para outras pessoas sobre adotar o modelo que ela criou.

Nesse meio-tempo, a Found in Translation está focando nas mulheres do programa e garantindo que cada uma delas possa encontrar trabalho nesse campo.

“As comunidades pobres são ricas em talento bilíngue e esta é uma habilidade que a comunidade como um todo está louca para ter”, diz Vertkin. “Ser capaz de identificar isso, além de identificar as pessoas que têm essa habilidade para fazer a transição e sair da pobreza, é uma coisa única”.

Dados técnicos

Tradução do original em inglês disponível aqui.
Traducción al portugués del original en inglés disponible aqui.
Portuguese translation of the original English version available here.

https://mashable.com/2015/08/01/found-in-translation/#dxgid06xQZqx